Todas as condições reunidas para uma boa casa (feriado, sexta-feira à noite, primeiro jogo oficial, muitas contratações entusiasmantes, forte presença de emigrantes em Portugal), o público portista correspondeu e o Dragão encheu. 48.036 adeptos é um belíssimo número para os reforços se acostumarem cada vez mais à grandeza do Porto.
Apesar de a exibição não ter sido de encher o olho, foi qb para esta fase e tornou a vitória incontestável, com oportunidades de golo suficientes para se merecer os 3 pontos. Coletivamente, confirmam-se todas as indicações da pré-época, para o bem e para o mal.
Pela positiva, a procura da posse de bola, a pressão alta, a reação à perda de bola e a quantidade de talento individual que consegue facilmente desequilibrar em situações de 1x1 e 2x2, que o coletivo pretende exponenciar através das constantes variações de centro de jogo, sobretudo com passes longos dos médios. É também agradável de se ver a ideologia que Lopetegui pretende adotar no Porto no que toca a princípios defensivos, nomeadamente o posicionamento da linha defensiva perto do meio-campo e jogar-se com a linha de fora-de-jogo, aspetos essenciais numa equipa que se queira basear na posse e instalar-se constantemente no meio-campo adversário.
Ainda assim, são também facilmente detetáveis os atuais defeitos desta equipa. A defesa mista nos cantos defensivos, a vulnerabilidade a transições nos cantos ofensivos, a pouca procura de jogo pelo centro do terreno (acentuada pelas tais mudanças de flancos) e a 1ª fase de construção. Estes dois últimos aspetos são particularmente importantes, visto que facilmente poderão determinar o maior ou menor sucesso da equipa.
Na saída de bola, ainda está tudo um pouco lento e previsível, com demasiada lateralização e falta de velocidade, o que só piora com as próprias características da dupla titular, Maicon e Indi; com tantos passes entre defesas, e muitas vezes de forma pouco desejável, aumentam também as probabilidades de algum dos quatro errar, o que facilmente deixa o Porto em apuros, visto que as coberturas certamente não serão as melhores; a somar-se a isto, não só a defesa não constrói como se pede, mas também os próprios médios (sobretudo os dois 8) pouco ajudam neste processo. No futuro, espero ver mais vezes quer Oliver, quer Herrera (ou outros que lá estejam) a descer constantemente no terreno, a pegar no jogo e a querer a bola desde trás. Espero também que pelo menos um dos centrais tenha a confiança e a qualidade para seguir em frente com a bola e furar linhas de pressão. E ainda que, ultrapassada esta primeira barreira, se veja mais jogo entre-linhas e mais jogo pelo miolo, solicitando-se mais apoios frontais ao Jackson e colocando-se Quaresma (ou outro) mais por dentro, deixando a largura apenas para os laterais; a ideia de se colocar Brahimi, Oliver ou Quintero num dos flancos é boa, mas só isso não chega. Na minha ótica, se Lopetegui conseguir implementar isto tudo (se é que é essa a sua ideia de jogo, claro…), daremos um salto qualitativo tremendo. Mesmo defensivamente a equipa ficaria beneficiada, visto que a equipa estaria mais coesa, mais apta a recuperar a bola e menos suscetível a contra-ataques.
No plano individual, o primeiro destaque tem que ser, naturalmente, para Rúben Neves, que está a chocar o futebol nacional pela sua maturidade em campo com tão tenra idade. É certo que tem muito a melhorar defensivamente, visto que ainda vai um pouco à queima à bola e facilmente se desposiciona; mas a agressividade que traz ao jogo (sem medo!), a sua intensidade natural, a qualidade com a bola no pé, seja pela tranquilidade a sair a jogar, seja no que toca a decidir rapidamente quando é pressionado, seja pela rotação, seja ainda pelo acerto do seu passe, curto, ou longo, a velocidade que imprime ao futebol da equipa através da verticalidade… com um jogador destes de 17 anos a brilhar, qual é o adepto que não está deliciado? Quem não ficou radiante ao ver o miúdo a marcar e festejar daquela maneira (ainda para mais com a falta de aposta em jogadores da casa, num histórico recente)? É certo que Rúben Neves não poderia ter pedido melhor conjuntura, pela lesão do Mikel, pela presença do Tomás no Europeu sub-19, pela venda do Fernando e pelo longo processo de negociações com o Real por Casemiro; mas também há que lhe dar muito mérito, porque se ali está, é porque fez por isso, foi dos melhores jogadores da pré-época e hoje voltou a ser dos melhores em campo (premiado, aliás). Não é Rúben Neves que tem de lutar pela titularidade; os outros é que lhe têm de tentar tirar o lugar…
Nota também para Lopetegui, porque finalmente vemos um treinador sem medo de olhar à formação, aparentemente, e que pouco relevo dá à idade e aos estatutos – para além do Rúben, Adrián nem saiu do banco, Casemiro começou lá, Tello idem, apesar das controvérsias todas, Fabiano continua como nº1… Resta ver como lidará com Quaresma e eventuais problemas de egos que venham a surgir ao longo da época.
De resto, nota muito positiva para Brahimi, que deixou bem claro hoje e nos amigáveis que vai ser facilmente um dos maiores desequilibradores da Liga (seja a médio, seja a extremo, tem é de jogar!); Oliver também impressiona pelo recorte técnico e pela inteligência; Tello entrou muito bem, facilmente poderá entrar no 11; e Danilo teve uma exibição sólida. Pela negativa, Quaresma, apesar da solidariedade defensiva e de ir dando umas graças em termos coletivos, sobretudo pelas temporizações e entendimentos com Danilo, continua a complicar e a querer demasiado protagonismo (nem falo das bolas paradas, que isso já é luta perdida…) – estar tão colado à linha também não ajuda…; e Herrera, que vai ser uma dor de cabeça o ano todo, porque vem cheio de protagonismo do Mundial e tem sempre excelentes pormenores em todos os jogos, além de, pelas características (físicas e condução de bola), poder vir a tornar-se importante neste Porto, mas oscila momentos deliciosos com total desinteresse pelo jogo, momentos de agressividade com e sem bola com momentos de inércia, jogos bem conseguidos com jogos em que nem aparece… hoje foi mais um desses, e fica difícil saber-se com o que podemos contar do mexicano.
É já dia 20 que vem a próxima partida, com um grau de pressão e dificuldade bem superiores a este encontro com o Marítimo. Será certamente um bom teste para se averiguar o que pode o Porto fazer nesse nível, contra um adversário forte, fora de portas e com a noção dos milhões que estão em causa, num jogo a doer. Por hoje, jogadores e equipa técnica podem descansar, com a ideia de dever cumprido.
Daniel Novo (colaborador fcportovideos)